20060819

OSCVLVM (Beijo, Baci, Beso, Baiser, Kiss)





Eu sei que não me conheces…
Mas tu…
Só tu és a culpada de toda a minha angústia e de todos os meus sonhos.
Tu tiraste-me a vida, encheste-a de doces confusões e conseguiste amarrar-me aos teus encantos.
O teu nome é como um grito que me arrepia a alma e faz bater o meu coração. E por mais que eu não queira, eu sei que sou escravo desses teus olhos, preso pela tua boca de mel.

Tu,
Só tu és a culpada pelas minhas noites em claro. Tu gozas com os meus sentimentos, mas, é o único tesouro que possuo…
Tu dás-me esperança, és a minha única esperança.
Tu deixas-me desesperado, matas-me e enlouqueces-me…
Por isso lutarei toda a minha vida para vencer o meu medo: o medo de te beijar!

20060804

VRBI ET ORBI (À cidade e ao Mundo)

Queria eu dizer algo… quer dizer, queria antes fazer…. Mas dizer também é fazer?

Tenho pensado, e sempre que penso perco-me e quando me encontro vejo… acho que preferia ser cego! Mas mesmo assim continuo a ouvir…

Como não conseguia deixar de ver, ouvir e sentir as crueldades que o negro fumo que se ergue traz… sepultei-me, em campa rasa de argila no meio do bosque para que não me encontrassem… Mas o fumo…. O fumo … o fumo que se ergue do horizonte contaminou todo o céu, infiltrou-se nas entranhas da terra e invadiu o meu sepulcro. Das profundezas do sapal ergui-me e gritei por socorro, mas, o meu grito logo foi abafado por outros gritos graves e hostis que a voz da ciência emana. Então tentei fugir, refugiar-me no templo, mas há muito que Janus tem as suas portas fechadas… talvez nunca tenham estado abertas, uma mera ilusão de óptica poderia dizer que um dia estiveram… mas sim, sem dúvida uma mera ilusão.
Na realidade as criaturas que um dia ousaram roubar o fogo aos deuses nunca deixaram Ares repousar, dia após dia vejo-o passar no seu corcel…
Fogo, Homens, Armas, Guerra, Destruição, Dor e Sofrimento: alimentam os bolsos de alguns e a pena dos poetas:

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mão. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece")
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.


Fernando Pessoa, 1926
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NOTA: Jano (latim Janus) é o deus romano das entradas e saidas representado com duas cara, em Roma as portas do seu templo estavam abertas em tempo de paz e fechadas em tempos de guerra.