20060523

FATALIS UXOR - (mulher fatal)


Há muito que já tinhas anunciado a tua presença… Por mais que te tentem esquecer tu lembras-te sempre de todos….
Querias que fosse para o Hospital, não cumpriste o que prometes-te e deixaste-o regressar…

Por uns dias deixaste aquela mulher ser feliz…. Sobressaltada, mas feliz…
Ainda me recordo:
- Vem ver o teu avô, está de novo em casa – disse ela com aquela voz cansada mas reconfortante.
Mas tu. Sim, tu…. Tu sabias, sabias que haverias de voltar – acho que todos sabíamos.

Era Domingo… fomos todos lá para almoçar. De certa forma ia-mos comemorar a volta daquele Homem, que embora tivesse perdido o vigor de outros tempos mantinha no olhar a ternura incondicional de um avô….

Era Domingo… O dia estava envolto no teu manto, nem o sol o conseguia penetrar… todos estávamos à mesa, menos tu. Tu não tinhas sido convidada, mas, como sempre, discreta, serena e tranquila apareceste, e com os teus trémulos dedos afagaste o seu coração. Pobre Homem, estava tão feliz…

Levantaste-o e arrastaste-o até ao chão…. Ali estava… aquele que sempre admirei, aquele que sempre me ergueu quando esmurrava os joelhos em brincadeiras pueris, aquele que sempre me trouxe “foguetes” pelos Santos Populares para rebentar nas fogueiras… Ali estava: no chão.

As mulheres gritavam…os homens rangiam os dentes…os meus primos foram levados para…. As vizinhas tentavam acalmar a família… e eu!?... Eu assisti a tudo pelo reposteiro da porta da sala…

Ali estava ele… Ali no chão de morenos azulejos, pálido como mármore com alguns veios roxos… Os médicos não paravam, os frascos vazios de adrenalina multiplicavam-se sobre o linho da toalha…. Mas tu! Tu nunca o largas-te, afagavas-lhe a fronte e sussurravas-lhe ao ouvido: dorme…dorme, dorme…

Vi-te nesse momento que é só vosso…
Estavas linda, a embala-lo como uma criança… cada vez o envolvias mais no teu manto e ele… ele deixava-se adormecer…

Não me lembro de ter chorado…penso que verti uma lágrima que ao estatelar-se no chão revelou toda a minha infância… ele estava sempre lá

Antes de lhe dares o derradeiro beijo despediu-se de mim, e depois… Depois sucumbiu aos desígnios que lhe impuseste.

Ergueste-me os olhos e sorriste-me… acho que petrifiquei, arrepiei-me quando sais-te…
Então o véu do tempo rasgou-se, arrancaste o esteio daquela casa…os alicerces tremeram e o mundo tornou-se real…

Aguardo…
Aguardo… um dia também eu serei embalado no teu colo….

3 comentários:

CVJ disse...

Bonito texto. Vai-te deixando desde já embalar, porque a vida também embala.
Abraço
Leonel

Anónimo disse...

Hallo I absolutely adore your site. You have beautiful graphics I have ever seen.
»

Anónimo disse...

Your are Excellent. And so is your site! Keep up the good work. Bookmarked.
»